Na maioria das cidades brasileiras os resíduos são jogados em terrenos sem nenhum tipo de tratamento
Se imaginarmos as cidades como grandes organismos vivos não é difícil pressupor que, como tal, consomem energia e matéria para se manterem em funcionamento. Depois de consumida, a maior parte dela torna-se lixo. Se nos ambientes naturais os dejetos são reciclados por cadeias de organismos decompositores, como bactérias e fungos, em ambientes urbanos as cadeias alimentares de decompositores têm pouca eficiência. Além disso, a maior parte dos materiais rejeitados pelas sociedades humanas, como papel, vidro, metais e plástico, é de difícil decomposição. Somam-se a isso uma crescente população urbana e uma sociedade cada vez mais voltada para o consumo, e tem-se uma quantidade de rejeitos que ultrapassa muito a capacidade de os serviços públicos darem um destino adequado.
Nesse metabolismo urbano, em média, cada pessoa produz em torno de 1 quilo de lixo por dia. Só a cidade de São Paulo produz mais de 10 mil toneladas de lixo/dia. Problemas como a violência, os transportes coletivos e a educação pública formam um quadro bastante complexo para as grandes cidades e seus gestores. Por isso é fundamental uma mudança cultural na população, atuando conjuntamente com os poderes constituídos para a resolução dos problemas das cidades.
Redução, reutilização e reciclagem
No caso específico do lixo, há anos vem se bradando o slogan dos 3 Rs (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) para a diminuição da quantidade de lixo produzido. Mais que palavras de ordens, se pretendem operar na sociedade uma consciência coletiva que estimule cada cidadão a reduzir a quantidade de lixo produzido, reutilizar materiais em seu cotidiano e reciclar produtos que podem ser transformados em elementos para outra utilidade.
No Brasil, muitas cidades têm desenvolvido interessantes programas de coleta seletiva, visando à reutilização e à reciclagem da matéria. No entanto, seja pela falta de hábito da população, seja pela ineficiência da gestão desse processo, muitas dessas iniciativas têm baixa eficiência ou são paralisadas quando feitas as trocas de governantes.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, o sistema de coleta seletiva de lixo consegue reciclar aproximadamente 10 gramas/dia por habitante, correspondendo a 1% do lixo produzido na cidade. A população de Porto Alegre, cujo programa de reciclagem é considerado modelo, consegue separar para reciclagem cerca de 50 gramas/dia por habitante, cinco vezes o índice de São Paulo. Em Estocolmo, na Suécia, cada habitante recicla, em média, 400 gramas de lixo por dia, 40 vezes mais que o cidadão paulistano.
Parceria comunidade e governantes
Um modo de encaminhar o problema do lixo é criar um serviço de coleta em parceria entre a comunidade e a prefeitura. Uma experiência muito interessante desenvolveu-se na cidade do Rio de Janeiro no projeto Favela Limpa, uma parceria entre a prefeitura e associações de moradores de quase 400 favelas. Eles desenvolveram uma forma criativa de coletar o lixo, retirar entulhos, limpar valas e encostas e desobstruir ralos e sarjetas, entre outros serviços, empregando pessoas da própria comunidade – chamadas de trabalhadores comunitários. Cerca de 2 mil trabalhadores participaram do projeto, atendendo mais de 1 milhão de habitantes. A Companhia de Limpeza Urbana da cidade do Rio participava com orientação e supervisão técnica, treinamento dos trabalhadores e cobrança do serviço, e a Associação de Moradores era responsável pela contratação e gestão do serviço. No momento, essa experiência está sendo reavaliada para que não seja descontinuada.
Gerando energia do lixo
É possível também construir usinas que gerem energia a partir de lixo. O potencial brasileiro para gerar energia elétrica a partir de resíduos sólidos poderia aumentar a atual oferta do País em 50 milhões de megawatts/hora por ano, 15% do total hoje produzido. Usar o lixo para gerar energia não é apenas uma solução econômica, traz benefícios sociais e ambientais. Pode gerar empregos e contribuir para minimizar problemas de saneamento e saúde pública.
A formação do chorume
Já em nossas casas é possível perceber um desagradável produto gerado pela decomposição do lixo. A parte orgânica dos dejetos inicia um rápido e intenso processo de decomposição, inicialmente aeróbia (com o uso do oxigênio). Com a extinção do oxigênio presente no lixo, inicia-se a decomposição anaeróbia (sem o uso do oxigênio). Como resultado da decomposição bacteriana do lixo, gases, entre eles o metano, são liberados, bem como um líquido denominado chorume. É comum ver esse líquido pingando nos caminhões de coleta ou no fundo das latas de lixo.
Destinos do Lixo: as práticas mais comuns
Como resultado das atividades humanas os rejeitos devem ser transportados para outras localidades. Alguns desses destinos são os depósitos clandestinos de lixo, os lixões e os aterros. Veja a seguir a diferença entre cada um deles:
Depósitos clandestinos de lixo
O material recolhido é depositado em áreas impróprias, a céu aberto e sem nenhum planejamento. Os subprodutos da decomposição bacteriana são lançados e contaminam as imediações desses depósitos. Os gases espalham-se pelas camadas mais baixas da atmosfera, o chorume infiltra-se no solo, podendo atingir e contaminar as águas subterrâneas, tornando-as inapropriadas para uso. Associados aos depósitos de lixo proliferam ratos e insetos, os quais, devido ao seu alto potencial reprodutivo dispersam-se por áreas relativamente amplas. É muito comum também o despejo do lixo em córregos ou terrenos baldios pela população de periferias que não recebem atenção quanto à coleta ou educação municipal. De fato, 20% da população brasileira ainda não conta com serviços regulares de coleta.
Lixões
Também são depósitos de lixo, sem nenhum tratamento, com a diferença de que são autorizados pelas prefeituras. No Brasil, a falta de uma política ambiental efetiva permitiu por várias décadas que a disposição de resíduos sólidos de origem doméstica e industrial, muitas vezes classificados como resíduos perigosos, fosse feita de maneira descontrolada e sem fiscalização. Cerca de 80% dos municípios depositam seus resíduos em lixões, perfazendo 1,5 mil desses depósitos espalhados por todo o seu território. Assim, os depósitos clandestinos causam poluição do solo, das águas que bebemos e do ar, pois as queimas espontâneas são constantes. O lixão traz ainda mais um problema: atraem a população mais carente e desempregada, que passa a se alimentar dos restos e a sobreviver dos materiais que podem ser vendidos.
Aterros sanitários
Cerca de 13% dos municípios destinam seus resíduos a aterros sanitários. Neles, o lixo sólido é depositado em áreas planejadas. O lixo comum e os entulhos devem ir para aterros sanitários quando não há mais a possibilidade de reciclagem ou reutilização. Os aterros são basicamente locais onde os resíduos são confinados no solo, livre do contato com o ar e cobertos com uma camada de terra. O terreno é impermeabilizado para permitir que os líquidos e os gases resultantes da decomposição que esses resíduos sofrem embaixo da terra (principalmente por bactérias) sejam drenados e tratados, para evitar a contaminação do ambiente. Apesar disso, muitos aterros sanitários não foram construídos de acordo com os padrões técnicos, comprometendo o solo e os recursos hídricos.
Métodos para tratar o lixo
1) Incineração: neste método o lixo é queimado em fornos, reduzindo-se a cinzas minerais, às quais podem ser reutilizadas na indústria. Há muito poucos incineradores funcionais nas cidades brasileiras, os quais ainda não foram eleitos como um método eficaz para tratar grandes quantidades de lixo produzidas diariamente nas grandes cidades e metrópoles. Além de serem processos muito dispendiosos, os gases expelidos durante a queima do lixo devem ser devidamente tratados na unidade de incineração, antes de serem liberados. A incineração é um tipo de tratamento para, por exemplo, lixo hospitalar, que depois vira cinza e esta vai para os aterros sanitários.
2) Reciclagem: a triagem e a reciclagem são tratamentos para alguns tipos de rejeitos, como papéis, plásticos, vidros ou metais. A triagem é um tratamento necessário para a reciclagem, e a reciclagem é um tratamento necessário para a fabricação de produtos feitos com a matéria-prima presente no lixo.
3) Usinas de compostagem: neste procedimento, apenas o lixo orgânico é concentrado em locais previamente definidos e constantemente revolvido, a fim de que o processo de decomposição seja predominantemente aeróbio, sem a produção dos gases de metano e do chorume. Como produto deste tratamento, resulta um composto orgânico rico em nutrientes o qual é reutilizado para fertilizar áreas agrícolas. Com este processo, pode-se aproveitar também toda a parcela não orgânica do lixo, como plásticos, vidros, metais, e também o próprio papel e derivados de celulose, através da reciclagem, a qual pode reduzir significativamente a quantidade e o volume do lixo. Logicamente, este procedimento traz divisas econômicas com o uso do composto produzido e a reciclagem de materiais.
4) Resíduos tóxicos: o lixo hospitalar também pode passar por tratamentos como microondas e autoclavagem e depois serem encaminhados a aterros sanitários ou valas sépticas. Outros resíduos tóxicos podem passar por tratamento prévio, como blindagem e encapsulamento, e são encaminhados para o seu destino final que são os aterros especiais.