As mortes causadas pela poluição do ar equivalem a inúmeros acidentes nucleares
Em tempos de crise ambiental é surpreendente que se fale tão
pouco, ou tão mal, da opção nuclear. Afinal, as centrais nucleares não têm
emissões diretas de gases de efeito estufa, ao contrário das termoelétricas a
óleo, gás ou carvão. Uma das razões é que pesa sobre ela a imagem
negativa em razão dos graves acidentes de Chernobyl, em 1986, na Rússia, e mais
recentemente de Fukushima, no Japão. Pouco importa que o primeiro tenha sido
fruto de manobras irresponsáveis e o segundo causado por um forte terremoto
seguido de um tsunami de rara violência.
O trecho acima contém uma palavra-chave no debate: imagem.
Não temos contato direto com centrais nucleares e construímos nossa percepção
dos riscos associados a essas instalações a partir de informações e análises de
terceiros. Mesmo que as estatísticas mostrem que a produção de 1 quilowatt de
energia a partir do átomo tem menos impacto sobre a morbidade ou mortalidade do
que aquela a partir de petróleo, sem nem sequer mencionar os efeitos sobre o
clima, continuaremos temendo mais a primeira do que a segunda. Por quê?
Há vários motivos. Tememos mais o risco do desconhecido.
Nascemos num mundo organizado em torno do petróleo, cheio de carros, caminhões
e postos de gasolina que compõem uma paisagem que nos é familiar. Já o ciclo
nuclear é invisível no dia a dia, surge na mídia quando há grandes desastres, e
os processos envolvidos são complexos e difíceis de explicar ao público em
geral.
Acidentes ocorrem em todas as atividades humanas.
Plataformas afundam, refinarias e postos de gasolina pegam fogo e grandes
vazamentos de petróleo no mar são frequentes. Mas justamente por serem
relativamente rotineiros, nem ao menos lembramos qual foi o último acidente. Ao
contrário, lembramos os últimos grandes acidentes nucleares, mesmo que tenham
matado menos gente. A nossa percepção, moldada no decorrer de uma longa
-evolução, -registra o que é brusco, raro.
Ciclo
produtivo:
Toda forma de gerar energia tem um -custo financeiro,
ambiental e de saúde. Não existe energia limpa, a não ser nas campanhas
publicitárias: existem as mais ou menos sujas. Comparar -custos e impacto
ambiental de diferentes opções é complexo, e envolve questões éticas
incômodas.
O mesmo se aplica a decisões individuais mais comuns. Por
exemplo, temos satisfação em comprar um produto atraente e muito barato, mesmo
que tenha sido produzido num país distante por pessoas que nunca veremos. Se
soubéssemos que o tal produto foi fabricado em condições desumanas e exigiu a
extração predatória e não sustentável de recursos naturais, talvez
hesitássemos. Mas a maioria esmagadora dos consumidores não tem a menor ideia
de como são produzidos os itens que consomem. A reação natural é optar pelo
menor preço, claro. Nessa hora, um economista dirá que o valor que você aceita
pagar a mais pelo produto (ou não) é uma medida da importância que você atribui
(ou não) a valores subjetivos como justiça, equidade, solidariedade,
sustentabilidade etc.
Note que para tomar uma decisão bem fundamentada você
precisa conhecer o que se chama de ciclo produtivo. Quem mora na roça sabe o
que é isso: para fazer um simples bolo de fubá, foi preciso desmatar uma área
de floresta, arar o solo, plantar a semente do milho, rezar para chover,
capinar, colher o milho, debulhar, moer, peneirar, secar, adicionar -outros
ingredientes cuja produção também tem seu próprio e laborioso ciclo produtivo,
assar o bolo com lenha ou gás e se livrar dos restos do processo. Cada uma
dessas etapas tem custos em dinheiro e traz riscos facilmente perceptíveis à
saúde: cortes, luxações, fraturas, picadas de animais peçonhentos, queimaduras,
insolação etc.
Há também os menos perceptíveis, associados a exposições
crônicas, como catarata e câncer de pele, provocados por tempo excessivo e
prolongado ao sol, câncer de pulmão por inalação regular de fumaça de queimada
ou do fogão a lenha e por aí vai. Nosso economista ainda conseguirá calcular o
preço de tudo. Adoeceu? Há o custo do tratamento e o dinheiro que o doente não
ganhou, enquanto não podia trabalhar. Piorou e morreu? Há o custo do enterro e
o custo dos anos de serviço que o morto naturalmente não poderá cumprir,
traduzido na forma de uma eventual pensão para os familiares. Continua fácil
calcular. Mas se a doença ou morte acabar desestruturando completamente a
família em questão, será possível calcular o custo de suas consequências?
Petróleo
X Urânio:
Parece que esquecemos o tema inicial do artigo, mas não:
avaliar os custos e riscos de produzir um bolo de fubá ou 1 quilowatt de
energia elétrica passa pelos mesmos caminhos e envolve a análise de um longo
ciclo produtivo e dos riscos associados a todas as suas etapas, desde a
extração das matérias-primas até a gestão dos resíduos sólidos, líquidos e
gasosos produzidos.
No caso do petróleo, os riscos da extração e do
processamento desse minério líquido são familiares e parecem até naturais,
afinal, estamos falando de substâncias voláteis, inflamáveis e explosivas.
Quando explodem de forma controlada dentro do motor de nossos carros, elas os
impulsionam e achamos o máximo, mas quando vazam e contaminam rios, por
exemplo, não achamos a menor graça.
Já no caso do ciclo nuclear, nada é familiar nem parece
natural, embora sua parte mais visível, a central nuclear, seja um tipo de
termoelétrica. Na termoelétrica a gás ou óleo, a combustão desses aquece água
numa caldeira e o vapor formado aciona as pás de uma turbina gerando energia
elétrica. Depois, o vapor é resfriado com água ou ar, condensando-se e sendo
novamente aquecido, num circuito fechado. A central nuclear funciona segundo o
mesmo princípio, mas com outro combustível, o urânio-235. O minério de urânio,
natural, contém muito mais urânio-238 do que 235, mas apenas o último pode ser
fissionado e gerar grandes quantidades de calor.
Outra semelhança entre termoelétricas a óleo ou urânio é sua
abundante produção de resíduos. Sempre soubemos da fuligem e dos produtos menos
visíveis e cancerígenos emitidos na combustão dos derivados de petróleo. Mas os
ignoramos diante da percepção de que o CO2 se acumula na atmosfera, altera o
clima do planeta e nos reserva um futuro mais quente, incerto e sombrio. Ponto
para as usinas nucleares, que não emitem fuligem ou CO2? Sim e não. Não emitir
carbono é uma vantagem, mas se uma termoelétrica convencional pode ser
desligada, fechando-se o suprimento de combustível, desligar uma termoelétrica
nuclear não é tão simples.
Por um lado, a fissão do urânio só pode ser interrompida
progressivamente, e a radioatividade que ela já gerou não pode ser desligada.
Isso significa que mesmo que não gere mais energia suficiente para assar um
simples bolo de fubá, o reator nuclear deve continuar sendo refrigerado por um
bom tempo após interromper sua produção. Qualquer coisa que impeça a
refrigeração pode levar- ao derretimento- das barras metálicas que contêm o
urânio e seus produtos de -fissão, que podem assim acabar liberados para a
atmosfera, como ocorreu em Fukushima. Embora uma central nuclear- não possa
nunca explodir como uma bomba atômica, a liberação acidental de material
radioativo na atmosfera pode ter consequências graves para a saúde de
funcionários e habitantes da região, o que força a evacuação ao seu
redor.
Ora, direis, a poluição radioativa tem data de validade,
enquanto o CO2 é eterno. É verdade, mas alguém que sofreu um acidente relativo
ao ciclo do petróleo dificilmente será discriminado por isso. Já as vítimas de
acidentes nucleares, além das eventuais sequelas de saúde, têm de suportar a
discriminação e a exclusão social. Algumas foram apenas irradiadas, outras
foram contaminadas e podem irradiar quem chegar perto. Como não se sabe
distinguir uma coisa da outra e não se carrega um detector de radiação na
mochila, consideram-se todos como contaminados.
Esse talvez seja o efeito mais perverso de um acidente
nuclear, e um dos mais difíceis de avaliar. Afinal, quanto valem a culpa e o
sofrimento? Nosso economista de plantão dirá que essas variáveis não são
quantificáveis, enquanto não se transformarem em sintomas ou fatos concretos.
Portanto, desconfie de decisões tomadas apenas em razão de -custos. Nem tudo é
calculável, e o cálculo estará sempre contaminado por interesses e crenças.
Preço é uma coisa, valor é outra.
Atividades Didáticas:
Avalie
os esforços e os custos para geração de energia em contraposição aos limites da
produção e do consumo energético
Entre as muitas razões para se discutir as questões
ambientais, certamente, estão as implicações entre as expectativas por
qualidade de vida e os recursos materiais e energéticos para satisfazê-las.
Quais os limites do consumo? É nessa perspectiva que se insere o texto de Jean
Remy Davée Guimarães, cuja leitura suscitará o debate sobre os prós e os
contras da utilização da energia nuclear. Nele, é importante que exista a contextualização de conteúdos da Física relativos a ele. Vejamos algumas possibilidades:
Competências
Apropriar-se
de conhecimentos da Física para, em situações-problema, interpretar
e avaliar intervenções científico-tecnológicas
Habilidades
Avaliar
possibilidades
de geração, uso
ou transformação
de energia
em ambientes específicos, considerando implicações éticas, ambientais, sociais
e/ou econômicas
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