Descubra como se faz papel e nunca mais desperdice uma folha do seu caderno.
O que entendemos hoje por papel é uma superfície flexível onde se pode escrever ou desenhar. Mas a necessidade dos humanos de escrever ou desenhar é bem anterior ao surgimento do papel moderno. O homem pré-histórico começou desenhando nas paredes de cavernas. O problema é que, como não havia como transportar as cavernas, os interessados é que tinham que ir até elas. Gravar mensagens em placas de pedra foi um progresso, afinal, mesmo sendo bastante pesadas , elas podiam ser transportadas. Outro progresso foi a invenção do tablete de barro, gravado enquanto estava fresco. Era mais rápido desenhar ou escrever, cabiam mais coisas em um tablete porque no barro os caracteres podiam ser menores, e cabiam mais tabletes na bagagem do mensageiro, já que eles eram mais leves que as placas de pedra. Mas, de vez em quando, os tabletes quebravam. E quem iria confiar na mensagem de um tablete remendado? Então resolveram usar peles de animais! São leves, flexíveis, não quebram e são bem fáceis de transportar.
Pinturas rupestres
Tablete de barro
Mas o ancestral do papel moderno, fino, flexível e leve, é o papiro egípcio. O papiro era feito de fibras de plantas de brejos do Rio Nilo, no Egito. As fibras de seus caules eram desfiadas, molhadas e espalhadas sobre uma superfície bem plana, outra camada úmida de fibras era cruzada sobre a primeira, e mais uma, e mais uma, depois se prensava esse sanduichão de fibras para extrair o excesso de água e se esperava secar. O resultado era o desejado: uma camada fina, leve e flexível. onde se podia escrever poemas, receitas, listas de compras, orações, o que desse na telha. Ou melhor no papiro.
Papiro (planta)
Outros povos gostaram da ideia, mas não tinham Rio Nilo e plantas do brejo com fibras bem longas por dentro para copiar os egípcios. E assim, durante muito tempo, o papel foi fabricado com trapos. Esses restos de tecido de algodão, cânhamo ou linho eram avidamente disputados pelos primeiros fabricantes de papel, que era então um artigo de luxo, como se pode imaginar.
Escrita em cânhamo
Até que se acabou descobrindo que o tronco das árvores pode ser picado, fermentado, cozido e moído até se tornar uma sopa de fibras que podiam ser emaranhadas, espalhadas em camada fina, secas e finalmente cortadas, impressas e encadernadas. Se hoje temos florestas de eucaliptos e pinheiros por todo lado é porque ambos crescem rápido, produzem troncos retos que servem como material de construção e como fonte de fibras para a fabricação de papel. Portanto, os humanos já usavam fibras vegetais para tecer roupas, e o papel foi criado como uma espécie de tecido que não veste ninguém, só registra e transmite informação.
Mas essa informação era ainda registrada manualmente. Acredite, até a Idade Média os livros eram escritos à mão, um por um. Não estranha que tão pouca gente soubesse ler e escrever. A invenção da tipografia, com letras impressas mecanicamente e não escritas à mão permitiu multiplicar enormemente a produção e distribuição de livros. E aí não havia trapos de roupas ou panos de chão que sustentassem tamanho apetite de leitura. Assim nasceu a moderna indústria do papel, baseada em fibras de árvores que podem crescer praticamente em qualquer lugar, e não apenas nas margens do Nilo.
A fonte de fibras pode ter mudado desde a Antiguidade, mas a ideia continua sendo exatamente a mesma desde o tempo do Império Egípcio: fibras vegetais são amassadas, encharcadas, trituradas, prensadas em camada fina e secas.
PAPEL E CLORO
O papel da Antiguidade não era branquinho como o de hoje. Afinal, as fibras naturais, de algodão, madeira ou lã, não são brancas, são marrom, amarelo-claro, bege, tudo menos branco. Isso era mesmo um problema, já que na época não havia como corrigir deficiência visual e ler pilhas de papéis amarelados à luz de vela não devia ser nada fácil, mesmo para quem enxergasse bem. O desafio dos fabricantes era produzir papéis bem lisos e brancos, para destacar as letras e facilitar a leitura, e para isso se usavam misturas de colas, argila e produtos que preenchiam os espaços entre as fibras e deixavam o papel mais liso e resistente, além de mais claro.
Isso foi de certa forma uma maldição. Em 1774, um químico alemão descobriu que o cloro branqueava quase tudo, inclusive papel. A partir daí, florestas ou plantações de árvores e indústrias de cloro e de papel passaram a nadar juntas. Países frios como EUA, Canadá e Suécia, que têm grandes florestas de pinho, investiram pesadamente na indústria de papel e de cloro, e o resultado disso é que nesses países há hoje dezenas de lagos onde é permitido pescar, mas é proibido comer o peixe capturado porque ele tem mercúrio demais. O peixe engoliu um termômetro? Não, o mercúrio (Hg) era utilizado, em toneladas, na fabricação do cloro, que servia para branquear o papel, e o próprio mercúrio era também adicionado ao papel como antimofo. Mas a fábrica foi fechada há mais de 20 anos! Ok, não importa, o mercúrio liberado no ambiente naquela época continua contaminando os peixes até hoje.
Floresta de pinho no Canadá
ECOLOGICAMENTE INCORRETO
Que beleza, então mesmo pagando mais caro para usar papel meio escurinho, porque é reciclado, ecológico, sustentável, na hora da pescaria vou ter que devolver o peixe ao lago e abrir uma lata de sardinha quando a fome apertar?
Isso mesmo, pagamos hoje pelos pecados de ontem. Agora é chique e moderno usar papel reciclado ou não branqueado, mas o mesmo gesto foi encarado como confissão de pobreza no tempo de seus avós. Pessoas finas escreviam à caneta-tinteiro em papel branco e fininho, os poucos pobres alfabetizados escreviam a lápis ou carvão em papel de embrulho.
Você pode ser adepto do papel branquinho ou moreninho. Saiba que a primeira opção exige o uso de muitos produtos químicos tóxicos, como cloro e mercúrio. Usar papel branqueado tem maior pegada ecológica: escrever o mesmo bilhete para o(a) namorado(a) vai consumir mais recursos do planeta do que em papel reciclado. E vai colocar você no final da fila: afinal, ser ecológico já foi coisa de maluco, mas hoje é legal. E, afinal, um dos motivos para se fazer papel mais branco era a dificuldade de ler à noite, que hoje não temos mais.
Espero que você nunca mais olhe para o papel como antes. Produzi-lo exigiu usar terra. trabalho, água, adubo, sol, comida, combustível. Suas fibras (celulose) podem ser desfeitas e refeitas muitas e muitas vezes, se ele for reciclado. Se for para o lixo comum terá servido apenas uma vez. Depois de tanto trabalho e gasto de recursos naturais, um uso apenas é pouco, não acha?
Texto de: Jean Remy Davée Guimarães
EXPERIMENTO EM SALA DE AULA
Explorações possíveis a partir do texto:
* Biomagnificação do mercúrio e consequências do elemento no organismo humano.
* Descoberta do Cloro.
* Fabricação de papel no Brasil.
* Quantidade de árvore(s) necessárias para fabricar uma folha de papel A4.
* Comparação entre papel branco e reciclato.
* Situação da reciclagem do papel no Brasil.
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